Onde foi parar o novo normal?
Eu sei, eu sei, esse tema já está cansando, mas quero muito dividir minhas percepções profissionais com você e tentar levantar pontos cegos que ainda não foram explorados pelos canais de comunicação tradicionais.
Como você já sabe, grande parte das empresas tem dito e feito todo o esforço para que o home office esteja com os dias contados, certo? Sim, literalmente, contados. E controlados! Muitas empresas que durante a pandemia conseguiram se adaptar para trabalharam de forma 100% remota, estão limitando os dias de home office para 2 ou 3 dias no máximo, algumas inclusive já começam a se despedir do modelo híbrido para voltar ao modelo presencial, como nos velhos tempos.
O tema está diariamente estampando em notícias, e de forma sensacionalista, até questionando como big techs estão freando uma tendência que até então tinha vindo para ficar. Do ponto de vista dos funcionários também não faltam publicações no LinkedIn, demonstrando revolta e apontando que é um retrocesso, mas será mesmo?
A evolução do ambiente de trabalho
Antes da pandemia a literatura já apontava as vantagens e desvantagens, assim como os desafios do trabalho remoto, obviamente que questões como o distanciamento social e as incertezas do momento não haviam sido pontuadas, mas, sendo bem direta ao ponto, minha principal crítica ao modelo 100% remoto é que nossas relações no ambiente de trabalho podem ter retrocedido sim ao que era nos anos 70/80. Calma, já te explico melhor!
Embora eu me refira aos velhos tempos como o período antes da pandemia, gostaria de voltar um pouco mais no tempo e pontuar a evolução de alguns aspectos nos ambientes de trabalho importantes para nossa discussão.
Num tempo não tão distante assim, o mundo corporativo era organizado por hierarquias rígidas que acabavam definindo os formatos dos locais de trabalho. Nos anos 90 as salas individuais e inacessíveis deram espaço para mesas próximas, separadas por baias. Foi só no final dos anos 90, com o boom das empresas de internet (as famosas .com) que o famoso conceito de open space começou a se popularizar, multinacionais começaram a aplicar esse novo layout em seus escritórios, cujo objetivo era estimular um ambiente de trocas, com menos hierarquia.
Ainda, as empresas mais descoladas no Brasil, mesmo antes da pandemia, já ofereciam o trabalho remoto como benefício, entendendo que essa prática melhoraria a qualidade de vida de seus funcionários, ao mesmo tempo que visavam redução de custo fixo com escritórios menores e inexistência de lugares fixos, também numa tentativa de até mesmo estimular mais interação entre times diferentes e tirar as pessoas da zona de conforto.
Empresas que já atuavam no modelo híbrido ou de trabalho remoto, possuíam já antes da pandemia regras pré-definidas e disponibilidade de infraestrutura para seus funcionários trabalharem de casa perceberam muitos benefícios no ambiente de trabalho, além da imagem corporativa que visa melhor qualidade de vida para seus funcionários.
Vantagens e desvantagens do trabalho remoto para funcionários
Mais recentemente, pós pandemia, e amplamente pontuado pela mídia, os diversos benefícios percebidos pelos funcionários no trabalho remoto são: qualidade de vida e bem-estar pessoal com a ausência de tempo de deslocamento, principalmente em grandes cidades e stress no trânsito, além da ausência de risco de acidentes ou assaltos, mais tempo com a família ou para outras atividades de lazer ou desenvolvimento pessoal como cursos, possibilidade de se alimentar de maneira mais saudável e a maior flexibilidade na jornada de trabalho. Já volto nesse último ponto.
Ah, já ia esquecendo a liberdade! O home office se traduziu em liberdade para trabalhar de qualquer lugar do mundo, até mesmo em diferente fuso horário do seu empregador. Do ponto de vista de desempenho profissional, muitos perceberam maior foco e concentração, aumentando sua produtividade e responsabilidade, além de disponibilidade. Mas isso, vamos combinar, é uma prática dos verdadeiros nômades digitais, prática que se aplica para um tipo claro de empresas, perfil de pessoas e de atividades.
Embora todas essas vantagens já tivessem sido pontuadas pela literatura mesmo antes a pandemia, também, na literatura, temos a outra face da mesma moeda: sobrecarga de atribuições que embolam a agenda pessoal e profissional, stress físico e mental, redução de repertório por não mudar de ambiente, pela pouca interação e aprendizagem com ‘o mundo’ outras histórias e contribuição dos membros da equipe. A vida, desde os mais primórdios tempos foi sendo enriquecida por rituais saudáveis tanto para o convívio familiar, como profissional, o que se perdeu.
O efeito? Desleixo, rotinas que levam a mesmice, ganho de peso pelo sedentarismo exagerado, fácil acesso de comida em casa, além de questões de falta de espaço físico adequado para trabalhar desencadeando doenças funcionais, assim como, perda de foco provocada por interrupções e distrações. O crescimento na carreira, traduzindo em miúdos, não só recebe o impacto de quem não é visto não é lembrado! A falta de visibilidade pela ausência física tem sido apontada como um ponto negativo do teletrabalho.
Agora se para times consolidados já é um desafio, imagina começar a carreira nesse cenário? O trabalho entra na vida destes jovens mantendo a referência de que o mundo familiar e o acadêmico continuam sendo o único contexto vivido, sem que haja uma ‘alfabetização para o trabalho’ e o entendimento desta nova relação com o mundo corporativo, prejudicando o desenvolvimento de um novo mindset para quem está ingressando no mercado de trabalho.
Existe um modelo ideal? O que propor?
Como já pincelei no texto das mídias, na minha visão só se constrói um futuro diferente repensando paradigmas, afastando as ameaças, detratores e observando as oportunidades, repensando as novas perspectivas ainda não experimentadas.
E é aqui que chegamos onde eu queria! Afinal, por que as empresas que atuaram 100% online na pandemia estão limitando ou abolindo o trabalho remoto? E principalmente, empresas de tecnologia! Onde foi parar o novo normal? Em minha visão, o novo normal foi construído no susto, numa situação inesperada semelhante a uma guerra, em compensação gerou hábitos e benefícios adquiridos que para serem rompidos não basta determinação e sim estratégia.
O que está sendo dito pelo C-Level das organizações sobre o retorno aos escritórios é que a falta de interação presencial implica numa diminuição dos vínculos sociais entre funcionários e com a organização. Como consequência principal, temos uma diminuição na qualidade das contribuições, assim como, engajamento em projetos. A verdade é que pessoas se conectam mais presencialmente, isso é inegável, a tal hora do cafezinho é importante na criação de vínculos.
O excesso de reuniões virtuais traz problemas de gestão e comunicação, e quando digo que nossas relações voltaram ao que era na década de 70 é exatamente à isso que me refiro, as pessoas não estão mais disponíveis ou acessíveis para trocar ideias e contribuírem umas com as outras, com o trabalho remoto ou hibrido, toda interação passou a ser com hora marcada, não é só levantar e ir trocar um ideia com o colega de trabalho, afinal, você pode até estar no escritório, mas as pessoas chave com quem você precisa ter interação não estão.
E como muito bem pontuou o presidente do Zoom, pessoas trabalhando próximas são mais criativas, e eu vou além, criatividade é essencial para inovação, muito provavelmente teremos um impacto negativo no pipeline de muitas empresas nos próximos anos, principalmente as que não tinham relação direta com a área da saúde. Portanto, concluo que, para a realização de atividades pontuais, sim, funcionários podem ser mais produtivos trabalhando sozinhos, mas empresas dependem de projetos, e com o distanciamento das relações pessoais, as empresas percebem sim uma queda na qualidade produtiva dos resultados que estão sendo obtidos.
Ainda, sem entrar em outros pontos como cultura organizacional e na confusão que alguns fazem entre o seu papel profissional e pessoal trabalhando de casa, outra crítica às recentes matérias sobre o tema gira em torno de um simples detalhe: a generalização. E aqui podemos dividir o assunto em mercados de atuação das empresas e diferentes áreas de uma mesma empresa. Onde quero chegar? Se você trabalha com uma atividade rotineira, numa área sem grandes projetos de inovação, é claro que o trabalho remoto pode ser considerado, embora o estreitamento de relacionamentos vai prejudicar a sua evolução e desenvolvimento de outras competências.
Concluo, portanto, que as empresas precisam saber que a escolha deve estar em cima de trazer as pessoas para ‘dentro de suas casas’ para todas as atividades que exijam mais interação social, mais colaboração e inovação, dado que essas são melhor desenvolvidas ‘ao vivo e em cores’, pelo menos enquanto a tecnologia não evoluir para ambientes virtuais com hologramas e metaverso à disposição 24 horas de todos. Inclusive, já tem empresas se especializando em metodologias para esse novo formato de trabalho.
E você, concorda comigo? Me conte sua experiência lá no LinkedIn!